A SENHORA VISCONDESSA
ROMANCE ORIGINAL
POR
S. DE MAGALHÃES LIMA
COIMBRA
Imprensa Commercial e Industrial
1875
A ti, que hoje és ideal, e queum dia serás mãe; a ti, quefoste filha e que has de seresposa; a ti, mulher, a ti,
Consagro este livro.
Magalhães Lima
Temos baile em casa da sr.a viscondessa de B***.
Á porta do palacete param trens sem conta.Descem os convivas, profusamente almiscarados.
No salão crusam-se os pares: elles, fragrantes,como uma rosa de Bengalla; ellas, voluptuosas etépidas, como uma brisa do Oriente.
A sala é vasta, enorme, quadrangular. A cadacanto uma mesa de marmore oleosa e de difficillavôr. Do tecto dourado e semicircular pende um[8]lustre de sessenta lumes, adornado de flores artificiaese de vidrilhos verdes. A mobilia, de um estofoazul e assetinado, rivalisa em symetria com osmais encantados jardins de Granada.
As janellas abertas atraiçoam os segredos dosnamorados. Como relampagos, reflectem-se na praçaas vertigens da walsa.
Por sobre a sombra do arvoredo ondeia a luzphantasticamente. A cada um d'estes banhos despertamas aves nos seus ninhos. E a lua, a docecompanheira da tristeza, vae illuminando o espaço,o mar e as solidões.
As flores derramam uns aromas acres e inebriantes.N'um esplendido vaso de porcellana deSévres, abre uma mimosa camelia as suas longase avelludadas petalas.
Umas plantas exoticas, orientaes, adornam oespaço ladrilhado das janellas de sacada.
Entra a viscondessa na sala. Os grupos cessamde falar. Em redor d'ella tudo se apinha, tudo seconfunde, tudo se baralha.
A valsa recomeça. Nos espelhos de crystal reflectem-seas estranhas imagens, que, n'esta noite,povoam o salão. Sobre as piscinas de marmore debruçam-seas avesinhas artificiaes--pobres avesinhasimplumes feitas de pedra e de calcareo.
Estremecem docemente os cortinados da janella.Os peitos arfam de cançados; e na paredeo papel, como que exhala uns mysteriosos e prolongadoscalores.
--Quer v. ex.a conceder-me esta valsa?--dizum cavalheiro, offerecendo o braço a uma gentildama de vinte annos.
E entrou no turbilhão.
--Mas perdão, senhora viscondessa... bem vêque na minha posição...
--Acompanhe-me, Alfredo.
E os dois seguiram para uma saleta proxima,situada á direita do salão.
Os creados serviram o chá. Na varanda fumavame conversavam os cavalheiros. Algumas senhoras[10]refaziam a sua toilette, em parte desfeita pelosardores da dança.
--E acredita a senhora viscondessa, que eurealmente lhe podesse ser affeiçoado nas condiçõesem que me acho?
--E por que não, Alfredo, se eu o amo loucamente.
Um leve ruido interrompeu o dialogo.
A saleta era assaz confortavel. Uns moveis escurosa guarneciam tristemente. Ao longo da parededestacavam uns q