MEMORIA
SOBRE A DESCOBERTA
DAS
ILHAS DE PORTO SANTO E MADEIRA
1418—1419
(FRAGMENTO DE UM LIVRO INEDITO)
POR
E. A. Bettencourt
PORTO
Typographia do Commercio do Porto
RUA DA FERRARIA N.os 102 A 112
—
1875
MEMORIA SOBRE A DESCOBERTA
DAS
ILHAS DE PORTO SANTO E MADEIRA
1418—1419
(FRAGMENTO DE UM LIVRO INEDITO)
Quando o infante D. Henrique voltou de Africa foi residir em uma terra doAlgarve, situada na ponta mais desgarrada da Europa, e que parece ter sidodestinada pela natureza a servir de posto avançado á civilisação europeia.N'esta terra, cujo senhorio el-rei havia dado a D. Henrique, fundou elle umavilla, que se denominou do «Infante», e a qual devia servir para tracto erefresco dos mareantes que fossem ou viessem do levante.
Sagres, no cabo de S. Vicente, pois que foi este o lugar escolhido peloinfante para estabelecer a sua villa, era pelo occidente o terminusnatural do mundo conhecido no comêço do seculo XV, em quanto que o cabo Não, daAfrica, marcava no mar do sul o limite até onde haviam podido chegar osnavegantes europeus.
O infante desejava ultrapassar estes limites, colhera em Ceuta algumasinformações, e com essas vagas noticias principiou a mandar os seus criados aexplorar os mares do sul.{4}
D. Henrique era o quarto filho de el-rei D. João I e grão-mestre da Ordem deChristo, dignidade que punha nas suas mãos a administração das enormes rendasda Ordem; possuia um genio emprehendedor e era perseverante e generoso: taesdotes juntos a tão grandes meios fizeram do infante o maior homem do começo dostempos modernos, heroe cujas obras aproveitaram ao mundo inteiro.
Quando, pois, o infante dava principio á serie de viagens de exploração quedeterminára fazer á costa d'Africa, mandando todos os annos duas ou trescaravellas, commandadas por alguns dos seus mais zelosos criados, com o encargode passarem o cabo Bojador, e irem o mais longe que podessem; succedeu que dousfidalgos de sua casa, João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, que com oinfante tambem se haviam achado no soccorro da praça de Ceuta, se lheoffereceram para irem passar o mencionado cabo e descobrirem a terra da Guiné.
Sairam portanto mar fóra estes arrojados fidalgos, em uma pequenaembarcação, que o infante lhes fez aprestar e prover de todo o necessario; masdecorridas que foram algumas milhas encontraram ventos de travessia, que osarrojou para o alto mar onde correram por muito tempo á mercê de uma fortetempestade, até que se acharam sobre as costas de uma terra desconhecida.
Zarco e Tristão sairam em terra para se abrigarem da tormenta, dando, portal motivo, á ilha desconhecida a denominação de Porto Santo.
Tendo Zarco e Tristão reconhecido a ilha, voltaram apressados a dar parte aoinfante, que largamente os galardoou e lhes permittiu que fossem povoar a novaterra com muitas pessoas que para isso logo se offereceram; indo tambem n'essaoccasião, por capitão donatario da ilha, Bartholomeu Perestrello, fidalgo dacasa do infante D. João.
Chegados que foram á ilha de Porto Santo construiram suas barracas e seacommodaram o melhor que puderam. Tinha, porém, acontecido que, entre osanimaes que Perestrello...