PORTUGAL ENFERMO
POR VICIOS, E ABUSOS
DE AMBOS OS SEXOS.
DEDICADO AO SENHOR
JOSÉ LUIZ GUERNER,
CONSUL DE S. M. SICILIANNA,
POR
JOSÉ DANIEL RODRIGUES DA COSTA,
ENTRE OS PASTORES DO TEJO
JOSINO LEIRIENSE
LISBOA:
NA IMPRESSÃO REGIA.
ANNO 1819
Com Licença.
Quando comecei a compor esta Obra, intitulada=Portugal Enfermo porvicios, e abusos=logo me veio á lembrança o dedicar-lha. E approveitando estasprimeiras idéas, foi tal o prazer, que concebi, por huma tão acertada escolha,que parecia que com mais facilidade, e affluencia me occorião pensamentos paraa ultimar.
Eu faria huma injuria á Gratidão, se me lembrasse de outra pessoa paraesta Dedicatoria; quando por experiencia tenho conhecido quanto a suacuriosidade, applicação, e talentos ambicionão as minhas Producções.
Aqui me offerecia agora a minha imaginação hum vasto assumpto, paratecer-lhe o{IV} Elogio, que merece hum homem amador dasBellas Letras, e ornado d'aquellas virtudes moraes, que tanto caracterizão overdadeiro homem de bem. Mas fazer das suas apreciaveis qualidades huma extensanarração, seria dar por nova huma pintura ao mesmo Pintor, que a desenhou.
O Céo dilate a sua estimavel vida para consolação dos seus amigos; sendohum dos que mais o preza, e respeita
José Daniel Rodrigues da Costa{V}
Nem a vaidade de ser Author, nem a presumpção de exceder os Escriptores domeu tempo, nem o desvanecimento dos repetidos elogios, que muitas Pessoas mefazem, serião incentivos bastantes para eu escrever com tanta assiduidade, comoescrevo. Não me ufanão semelhantes apavonações; porque o deixar-me possuirdestes fôfos sentimentos seria em mim huma bem notada mania.
Devem capacitar-se os meus amabilissimos Leitores que o meu genio, hum poucopropenso ás Bellas Letras, e mais que tudo, o muito, que prezo quanto hehonesto, e civíl, he que me desafia a desembainhar a espada da Critica contraos vicios em todas as minhas Obras, acutilando estes, e poupando com tudo osseus adoradores.
He por tanto que exponho ao Público esta Obra dos achaques chrónicos, comque o tempo tem contaminado os antigos, memoraveis, e bem acceitos costumes donosso Portugal; que quanto mais se reprehendem os d'agora,{VI} tanto maiores elogios se fazem aos passados.
Tem os vicios, e os abusos chegado ao maior auge na presente época em ambosos sexos. Não se lhes acha mediania; e neste labyrintho de cousas não fica aohomem, que bem pensa, mais que os dois refrigerios: ou de chorar, ou de rir dosdestemperos deste Seculo nos excessos, que se observão no luxo, nas educações,e no viver de agora.
Com effeito eu vejo os tempos bem desgraçados para composições de qualquernatureza. Nos principios do Seculo dezoito houve muito quem escrevesse, porquehavia muito quem lêsse; depois ainda houve muito quem lêsse, e menos quemescrevesse; mas presentemente nem ha quem escreva, nem quem lêa; porque asminimas cousas, que apparecem, nem essas mesmas se gastão.
Vamos porém sempre compondo alguma cousa para huma parte da mocidade bemmorigerada, que ainda se encontra tanto nesta Cidade, como por essasProvin