VISCONDE DE TAUNAY
Ao Entardecer
(Contos varios)
H. GARNIER, LIVREIRO-EDITOR
71 e 73, rua do Ouvidor
RIO-DE-JANEIRO
6, rue des Saints-Pères
PARIS
1901
VISCONDE DE TAUNAY
Em dia fresco e de chuva miuda, viajava eu naestrada de ferro Central.
Vinha de S. Paulo para o Rio de Janeiro em tremque parecia, contra inveterados habitos, deverchegar á hora regulamentar.
A locomotiva como que se aprazia a devorar oespaço—na phrase consagrada—por tempo tãograto que dispensava calor, poeira e grandes atrazos,e o jornadear, calculado por tabella official de paradascertas, inflexiveis, sempre as mesmas, erarelativamente agradavel.
Na estação do Cruzeiro, onde desde largos annos—iadizendo seculos—imperam o porte dominador,a alentada bengala, a energica gesticulaçãoe as barbas medieváes e enchumaçadas do majorNovaes, entrou uma familia, regressando deCaxambú.
Páe, mãe, bastante moços, esta ainda vistosa,[10]bonita, um filho, de 12 para 13 annos, visivelmentedoente, duas creadas, uma branca, outra preta, eum molecóte vestido de pagem, muitas malinhasde mão, chales, cobertores, travesseiros, garrafasde leite e aguas mineraes, embrulhos com restos,sem duvida, da matolotagem, comida á descida daserra.
Tudo aquillo ás carreiras se arrumou nos bancosvazios ao lado e ao redor de mim.
Afinal, apitou a machina e partiu o barulhentocomboio.
Cançado de ler, exgotados os jornaes de S. Paulo,parcos de novidades, e um tanto aborrecido comum romance de Charles Merouvel comprado noGarraux, que não me interessava, nem mereciainteresse, puz-me a observar os recem-chegados.
No rosto de todos, a inquietação, concentrada nomenino que, apenas sentado, pedira para se deitar.
—Sinto-me tão fraco! exclamou dolente. Nãotenho mais forças!...
E com muita solicitude, creadas e molecote,auxiliando apressados os amos e obedecendo-lhesás indicações, arranjaram os meios de dar melhorcommodo ao doentinho, cujos pés ião além dobanco e se retrahiam de cada vez que passavam osempregados do trem.
Sim, doente, muito doente até. E tão sympathico,[11]tão meigo, uma expressão de tanta doçura naphysionomia, nos olhos bem rasgados, pestanudos,negros, scintillantes, mais do que ha vida normal,uns olhos de soffrimento e febre!... Os labioscomo que reviam sangue, de tão rubros; em compensação,as orelhas, muito grandes, desgraciosamenteapa