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EPISTOLA

DE
MANOEL MENDES FOGAÇA.
DIRIGIDA DE LISBOA A HUM AMIGODA SUA TERRA,EM QUE LHE REFERE COMO DE REPENTESE FEZ POETA, E LHE CONTA AS PROEZASDE HUM RAFEIRO.

LISBOA:

Na Impressão de João Nunes Esteves

Anno. 1822.

EPISTOLA.

    Por certo, Amigo, que benzer te deves
    De me observares subito Poeta!
    Em proza de lá vim, e escrevo em verso!
    De perfeita saude hum corpo goza,
    E he do contagio subito assaltado.
    Se entre doentes de malignas vive.
    Nunca grassou na Imperial Lisboa
    Maior contagião de infindos Vates:
    He tinha que se apega, e se propaga,
    Como se estende no Levante a peste.
    Entro em hum Botequim, são Vates todos;
    Eu bebo tãobem ponche, e fico Vate.
    Se vou para a Comedia, ouço Elogios,
    E quando volto pela rua grito:
    =Honra, Patria, Virtude, ó Tejo, ó Douro.
    Brilhai na escuridão; que azeite falta.=
    Vem n'hum Jornal o invento do Antimonio,
    E a maneira subtil de, cães, e burros
    Mortos, tornar em branco Espermacete;
    Lá vem versos tãobem, taes e quejandos:
    "O homem he fungo, e germen de monturo."
    Eu li co'os olhos meus esta sentença;
    Deos pague ao seu auctor, quem quer que seja,
    O completo elogio á raça humana!
      Onde todos são Vates sou Poeta:
    Tudo novo aqui he, tudo he prodigio:
    Eu jà cançado de lidar co'os homens,
    De observar sem proveito os seus costumes,
    Por hum capricho, que esquecêra a Jacques,
    Ando observando a Cafila infinita
    De matilhas de cães, que pejão tudo,
    A quem Lagarde fez sangrenta guerra:
    Pragmatica Sancção de Canicidio
    Aqui duplicou, fogirão todos
    Do terrivel Caligula pelado,
    Depois que as Aguias rapinantes forão
    Ás mãos dos fortes Luzos derrabadas,
    E a Falange infernal de trapo e fome
    Fatiota entrouxou, que não trouxera.
      Das ermas grutas dos alpestres montes
    Veio surdindo affouta a canzoada,
    Que fugira ligeira ao calvo Néro,
    Quasi toda esgalgada, e sem cabello,
    Consumida da putrida rabuje,
    Mas bem depressa em lamaçáes nojentos
    E ás nunca, e nunca solitarias portas
    D'altas casas de pasto, e consciencia,
    A pansa se lhe encheu cresceu-lhe o pelo,
    E airada vida se levou nas ruas.
    Uivão, retoição, saltão, ladrão, mordem,
    E vão correndo atraz, dos que chotêão,
    E co' sentido talvez no arenque esguio,
    Que em picado lá vai mettido em massa
    Dos que hum sò molho tem, guizados muitos;
    Progenie illustre d'onde vem meu sangue,
    Donde eu sahira involuntaria empada,
    De boa creação, gordura, e polpa;
    Farto como hum villão, rapaz travesso,
    A quem nunca falhou pedrada, e sôcco.
    Não me pejo da raça, e se escolhera,
    Antes de feito no materno alvergue,
    Fôra meu Pai hum rico toucinheiro
    De tez purpurea, e dorso acanastrado,
    Material, mas honrado, e de palavra,
    A quem não regeitasse hum Senhorio
    Seguro Abonador d'agoas furtadas,
    E que á primeira voz de Patria, e Throno,
    Pagasse de contado o Quinto, ou Terço,
    Que

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