VOLTAREIS Ó CHRISTO?





PORTO
IMPRENSA PORTUGUEZA
BOM JARDIM, 181





VOLTAREIS, Ó CHRISTO?

NARRATIVA

POR

CAMILLO CASTELLO BRANCO





PORTO
VIUVA MORÉ—EDITORA
PRAÇA DE D. PEDRO
1871





[5]





Um dos meus companheiros de jornada para Villa do Conde era sacerdoteidoso, de mui agradavel semblante e maviosa tristeza no olhar, contemplativo.

Os outros passageiros, gente alegre e agitada pelo trabalho intimod'uma digestão rija, conversavam bestialmente a respeito do meu amadoe honrado amigo José Cardoso Vieira de Castro.

Sem intervir nas suas disputações, escutava-os o padre attento e melancolico.

E, compadecido até ás lagrimas do formidavel infortunio que entretinha,entre chascos e insultos, aquella villanagem, eu encarava no taciturnoclerigo, e dizia entre mim: «que pensará este ancião do desgraçadomôço! Por que ampara elle a fronte á mão convulsa, e despede um gemidode apparente [6]compaixão? Quem será que lh'a inspira? Ellaque morreu, ou elle que tem deante de si um arrancar da vida com agonias,cujo praso está nos segredos da morte?»

Apeamos em Moreira. Segui por debaixo das ramarias seculares que aformosentama magestosa avenida da quinta dos Vieiras de Castro, na qual o meuamigo residira dous annos com sua esposa. Eu ia olhando para as arvoresque elle amava, e cuidando que via despegar-se-lhes a folhagem queinverdecêra quando no seio d'aquelle incomparavel martyr de seu pundonorcahiram os gêlos d'um inverno sem fim.

Observei que o padre me seguia a passo lento, e com o lance vago deolhos, aquelle vêr atravez de lagrimas, o scismar triste que os infelizesadivinham.

Esperei-o.

Elle abeirou-se de mim e cortejou-me, tratando-me pelo meu nome.

Perguntou-me se n'aquella casa morára algum tempo o sobrinho do seucondiscipulo e amigo, o ministro de estado Antonio Manoel Lopes Vieirade Castro.

Respondi: «Aqui viveu os mais encantados dias de sua vida.»

E, volvidos alguns segundos, prosegui animado pelo aspeito contemplativodo sacerdote: «Esta grande casa avulta-se-me como o tumulo da [7]felicidaded'elle. Quando d'aqui sahiram as duas almas, Vieira de Castro já nãoera feliz. Elle tinha a intelligencia tão alta como o coração, e deviasentir-se ferido do profetico terror de vêr cahir do pedestal do anjoa mulher que vestira da luz explendida do seu amor e de toda a poesiada sua juventude. Vieira de Castro, nos mezes que viveu aqui, damnificoua sua hombridade de homem. Como vivia absorvido em apaixonada contemplação,e do céo e da soledade se lhe augmentavam os enlevos da vida intima,o amor sopesou-lhe todas as faculdades, robustecendo-lhe a da soberbade ser amado de quem todas as mais paixões lhe pisava aos pés. A queridade sua alma não o viu descer de tão alto, até ajoelhar-se diante d'ella.Os homens d'aquella tempera, quando se arrependem de ter ajoelhado,erguem-se n'um impeto de dignidade, e quebram o idolo».

O padre fitou-me com olhar de intelligencia e commiseração. Detivemo-nossilenciosos e encostados á gradaria do portal; depois voltamos paraa estação onde nos esperava a Diligencia.

N

...

BU KİTABI OKUMAK İÇİN ÜYE OLUN VEYA GİRİŞ YAPIN!


Sitemize Üyelik ÜCRETSİZDİR!