JAIME DE MAGALHÃES LIMA
A GUERRA
DEPOIMENTOS DE HEREJES
F. FRANÇA AMADO, EDITOR
COIMBRA. 1915.
A GUERRA
Composto o impresso na Tipografia França Amado,
Rua Ferreira Borges Coimbra.
JAIME DE MAGALHÃES LIMA
A GUERRA
DEPOIMENTOS DE HEREJES
COIMBRA
F. FRANÇA AMADO, EDITOR
1915.
Um direito o nosso tempo conquistou plenamente—o direito de heresia.Muitos outros tentou proclamar, desde o meiado do século XVIII até hoje. Pelasua vitória se esforçou e sacrificou. Mas, se muitos quiz e por momentosimaginou possuir, quasi outros tantos surgiram e se apagaram com a rapidez emágoa com que invariávelmente se desfazem ilusões e esperanças mal fundadas.
O direito de heresia, o direito de discutir, contestar e negar todas asideias por qualquer modo dominantes, todas as convenções estabelecidas, todosos dogmas, todos os principios e todos os preceitos da religião, dafilosofia, da arte, da sciencia, da politica, e de quanta[VI] afirmação onosso pensamento sonhe ou imponha, quer na vida concreta, quer na vidapuramente especulativa, o direito que implica a faculdade de regeitar nogovêrno da nossa actividade espiritual e material toda a autoridadeindependente de restricção e de crítica—êsse logrou, porêm, prevaleceratravez de todas as vicissitudes a que o tiveram e teem sujeito multiplos evigorosos despotismos, sempre fáceis em renascer das próprias cinzas.Abolidas as divindades, as sagradas como as profanas, as que se adoram nostemplos como as que se lisongeiam nos palácios, é legítimo duvidar da crençareligiosa como da crença política, podemos sem ofensa dos homens erespeitando a nossa consciência desconfiar de muito civismo e de muitopatriotismo envelhecidos e envilecidos por diversa corrupção, podemos duvidarda justiça, e até da dignidade, de muito orgulho nacional, pervertido poríntima ruindade. É isso tão legitimo, de uma tão genuina fidelidade à razão,como o desdem das iras olimpicas de Jupiter,