O ARREPENDIMENTO.

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O ARREPENDIMENTO.

ROMANCE

Em tempos da minha mocidade costumava visitar a miudo uma boa velha,minha visinha, que me honrava com a sua estima e amisade. Humildementeconfesso que não ha sociedade mais deleitosa e agradavel, do que a deuma mulher que soube envelhecer. A sua conversação instructiva edivertida, é um inesgotavel thesouro de lembranças, anecdotas,observações chistosas e reflexões circumspectas, é finalmente umarevista do passado.

D. Mafalda, deixem-me assim chamar-lhe, juntava á amenidade da conversa,a do caracter, que era brando e indulgente.

Quando tinha occasião de ir passar uma noite com ella, parecia-me que ashoras voavam ligeiras e que corriam mais rapidas, do que quando asgastava a distribuir [204] finezas e galanteios ás mais formosas rainhasdos mais brilhantes salões. Era sempre com vivo pesar que a via apontarpara o relogio, indicando-me que a hora de me retirar tinha chegado, evoltava a minha casa com o espirito mais rico, e o coração satisfeito emelhor.

A historia que vou contar-vos, minhas caras leitoras, foi-me dita por D.Mafalda n'um d'estes serãos em que vos fallei.

Era n'uma bella noite de Junho; fui encontral-a sentada na sua cadeira áVoltaire, tendo a seus pés, deitado em um cochim, o seu cãosinhoquerido; os olhos tinha-os semi-abertos, um sorriso nos labios, eparecia respirar com prazer a aragem, que, embalsamada pelas flôres dojardim, se coava pela janella meia aberta. Quando cheguei junto d'ellavinha indignado por que um de meus parentes tinha sido victima d'umabuso de confiança; contei-lhe o succedido, e no calor da narração nãopoupei ao culpado as maiores imprecações, nem deixei de lhe dizer quedesejava fazer-lhe todo o mal possivel.

--Devagar, meu querido amigo--me disse ella--não o julgava tãoirrascivel, nem que tivesse tão pouca caridade para com o proximo. Sabelá, se, com a vida, não tiraria ao culpado o merito de para o futuro sepoder rehabilitar pelo arrependimento, e se o momento em que lheinfringisse o castigo não seria o destinado por Deus para essearrependimento?

--Eis-ahi, minha cara visinha, uma doutrina, permitta-me a expressão, umpouco subversiva da ordem social.

--Deus me defenda--me replicou--de querer que o culpado não sejacastigado, e que a sociedade fique indefeza dos crimes que um seu membropraticou contra ella; quiz dizer sómente que devia deixar ás leis ocuidado de castigar o delinquente, e que o meu querido [205] amigo, nãodevia, como individuo, fechar assim desapiedadamente o coração a todo osentimento de commiseração por um desgraçado e infeliz, no coração doqual talvez ainda bruxelei algum clarão de virtude, que uma occasiãofavoravel e propicia, que se apresente, ainda póde despertar, e fazercom que esse membro da sociedade, que julga inutil, se torne bom eaproveitavel.

Como eu respondesse a isto, fazendo um d'estes movimentos de cabeça, quesão um protesto mudo e respeitoso, ella acrescentou:

--Está com paciencia para me aturar ouvindo uma historia, pois que aindatemos algumas horas?

Não recusei: uma historia era uma fortuna para combater a exaltaçãod'espirito em que estava.

D. Mafalda principiou assim:

--Emilio da Cunha era o mais velho de tres irmãos, dos quaes, o maisnovo, vivia ha muitos annos no Rio de Janeiro, onde tinha alcançadofortuna. O segundo nunca deixou o Porto, sendo sempre infeliz nos seuscommettimentos e especulações. Emilio da Cunha, á custa de muitotrabalho e economias, pôde alcançar uma fortunasinha, que lhe permittiaesperar com socego, o momento de descançar da vida laboriosa em quetinha vivido.

Uma quarta pessoa completava esta familia, que er

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