OS

TRIPEIROS.


ROMANCE-CHRONICA DO SECULO XIV.


POR


A. C. LOUSADA.



PORTO:TYPOGRAPHIA DE J. J. GONÇALVES BASTO,
LARGO DO CORPO DA GUARDA N. 106.


1857.





I.

A mensagem do Mestre.



Alteradas estão doreino as gentesCo' o odío que occupado os peitos tinha.

camões, lus.cant. iv.


Era uma estranha romaria, para quem não tivessenoticia dos alvoroços a que a morte de Fernando 1.ºe o casamento de Beatriz em Castella tinham dadocausa, a que pelos meados de Maio de mil trezentose oitenta e quatro sahia pelas portas da cidade doPorto que davam sobre o rio, e mais pela chamada[6]Porta Nova. Se fosse facil conduzir o leitor a vêrdo alto das torres que a defendiam aquelle gentio,acreditaria que elle tinha invadido algum arsenal a procurardisfarce entre o guerreiro e o burlesco. Umpopular cobria a cabeça com um elmo adamascado,e, mostrando os joelhos através do grosso estofo dascalças, com pés descalços pisava aareia onde omontante que arrastava deixava um sulco;um outro,parecendo ter em menos conta a cabeça do queo peito, abrigava este em uma couraça mais que farta,e deixava aquella ao sol e ao vento; este, vestindoapenas umas calças, se assim se podia chamar umcirzidode trapos, trazia suspenso de funda um escudode couro, onde em tempos estivera pintada oudivisa ou brasão, pois não era jáfacil adivinharo que fôra; de um cinto leonado pendia de um ladoum estoque, do outro um punhal, e, como senão bastassem estas armas offensivas, empunhavaum chuço enorme; aquelle levava um bacineteamassadoe um gorjal ferrujento, e tinha por cinto de grosseirajornea uma funda, o provimento da qual, comose não fôra uma arma facil de encontrar a cadapasso, pesava em um sacco lançado aos hombros.De tempos a tempos o bom povo, como lhe chamavao mestre de Aviz, abria aqui logar a um cavalleiroacobertado de ferro desde os pés ácabeça, seguido dosseus pagens, ou escudeiros, alem a outros mais exquisitamentevestidos pelo antiquado das armas, oupelo incompleto. Havia capacete que, se Cervantes ovisse, não o deixaria ser original descrevendo o que deuao seu heroe no principio das perigrinações;peitos deaço polido, espelhando o sol, que disparatavam comumas grevas desconjuntadas, enegrecidas, remendovisivel; feixes de armas que desdiziam umas das outras[7]pelo valor, casando-se a facha grosseira com umestoque cuja bainha acobertavam ornatos de prata,montantes de Toledo e adagas grosseiras. Os cavallosiam uns cobertos de ferro, outros apenas comos arreios necessarios para se poder cavalgar, e nãopoucos dos cavalleiros, e aos pares até, montavamem mulas. Os cidadãos que assim sobrecarregavamos pobres animaes, costume vulgar por esses tempose por muitos outros, vestiam em geral a garnachanegra, distinctivo dos doutores e physicos. Com estemesmo traje, porém arregaçado pela ponteira daespada,deixando vêr a calça de duas cores e o borzeguimponteagudo via-se tres ou quatro aspirantes áquelladistincta classe de medicos e letrados, e comelles alguns monges, que tambem se mostravam affeitosás armas pelo modo como seguravam o punhoda espada e cobriam a tonsura com o bacinete. Umdos cavalleiros mais bizarros da romaria era tambemum ecclesiastico; pelo menos assim o demonstravaum roquete, que sobre armas soberbas vestiaem vez de brial.

De burlesco para a gente que guarnecia as muralhas,as torres, os eirados e soteas nada havianesta procissão; de marcial havia muito, tudo, a
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