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Nuno Lopes (Projecto Enclave) and edited by Rita Farinha
EM CASA DA VIUVA BERTRANDA & C.^a—CHIADO, N.^o 73
1838
Diz-se que uma das mais bellas missões da imprensa é defender a boarazão, a arte, e a honra e gloria da patria. Imagina-se ampla colheitade renome, de bençãos, de vantagens de toda a especie para o escriptorque alevanta a voz a favor do bom, do justo e do bello, se a voz do queescreve é assás poderosa para se esperar que mova os animos dos seusconcidadãos. E com effeito, indicar a estes o recto caminho, quandotransviados; tentar affeiçoá-los a nobres e puros sentimentos; fazê-losamar o solo natal; despertar-lhes affectos pelo que foi grande e nobrena historia do paiz, parece que deveria produzir fructos de benção parao escriptor que o tentasse. Não é, todavia, assim. Ha para isso umobstaculo quasi insuperavel; a superstição pelas idéas e tendencias dopresente, mais cega que a superstição pelas crenças do passado. Aspaixões são mais energicas do que as reminiscencias, as aspirações queas saudades. Gloria, lucro, respeito, bençãos são para aquelle que afagacom palavras mentidas as preoccupações populares; para aquelle que, semdiscrime, louva, adorna ou repete como echo as opiniões que ao redordelle, talvez por cima delle, esmagando-lhe a consciencia, passam comotorrente. Tumultua o genero humano correndo ao longo dos seculos: olouvador, ás vezes o promotor do tumulto, se a natureza lhe concedeuimaginação e talento, vai adiante como capitão e guia da geração quecorre ebria: incita-a, arrasta-a, deslumbra-a. As corôas voam-lhe domeio do tropel sobre a cabeça. Verdade é que ao cabo do tanto lidar ellese despenhará com essa geração no abysmo do passado; verdade é que oabysmo se fechará para elle com o sêllo da reprovação de cima, e que,porventura, não tardará que o futuro passe por ahi a sorrir, ou seafaste com tedio do sepulchro dealbado do erro ou da villania. Mais issoque importa? O homem que vendeu ao seculo a consciencia e o engenho, queDeus não lhe deu para mercadejar com elle, foi bemquisto e glorificadoemquanto vivo; foi antesignano do progresso, embora este seja avaliadoalgum dia como progresso fatal!
Mas que póde esperar aquelle que, nessa longa e ampla estrada do tempo,por onde o genero humano corre desordenado, quizer vir, do lado dofuturo e em nome do futuro, dizer á geração a que pertence:—parae lá—?Embora a sua voz troveje: embora as suas palavras devam fazer vibrartodas as cordas do coração e despertar todas as convicções da alma: nãoespere ser ouvido. As multidões continuarão a passar desattentas.Escarnecido, amaldicçoado talvez, dormirá esquecido na morte, e ossabios e prudentes cultores de uma philosophia corrompida e egoistadirão, com insultuosa compaixão, ao passar pelo que jaz no pó:—Pobrelouco, recebeste o premio de querer contrastar