Nasci n'um anno em que o sangue dos cidadãos de Lisboa allagou as praças eas ruas da capital.
Foi uma carnificina monstruosa, o 13 de março de 1838!
As guardas nacionaes, colhidas á traição, fôram covardementeespingardeadas á ordem dos falsos interpretes das instituições, que aguarda nacional era chamada a zellar e defender!
Ainda se não sabe ao certo o numero dos martyres d'aquella tremendahecatombe!
Eram pela rua aos montões os cadaveres dos populares e dos soldados, povotambem, sacrificados n'aquelle dia aos caprichos e veleídades do governopessoal!
E esses homens do povo, e esses guardas nacionaes, todas essas victimasinnocentes da maldade e da ambição, eram na sua maior parte os valerososcompanheiros do duque de Bragança; os que tinham amassado com o seu sanguegeneroso os alicerces do throno constitucional; os que tinham, pela suacoragem, pela sua dedicação, pelo seu civismo, conquistado para a filha doimperador-rei o throno de Portugal, na longa epopea que começou na ilhaTerceira e terminou em Evora Monte!
Eu não havia ainda nascido; mas creio que minha santa mãe me concebeuentão. Vi a luz do mundo em nove de dezembro d'esse mesmo anno, quasiprecisamente nove mezes depois de tão amplo addicionamento ao livroimmenso do martyriologio da liberdade!
Bafejou-me ao nascer o ar das revoluções!
D'ahi talvez a origem das tendencias revolucionarias do meu espirito!
Quasi que o meu primeiro vagido se confundiu com os gritos de dôr dasvictimas da tyrannia!
D'ahi por certo o meu amor pelo povo, e o meu horror pelos despotas!
Emballaram-me no berço as descripções detalhadas das acções homericas dossitiados do Porto; educaram-me no respeito pelo principio santo daliberdade; desenvolveram-me a rasão, encaminhando-me sempre o espiritopara as theorias, poeticas e patrioticas, do mais largo desenvolvimentodos foros e regalias do povo!
D'aqui indubitavelmente a minha crença sincera e firme na religiãodemocratica!
Mas quem me diria, quando os primeiros alvores da rasão começaram aesclarecer-me a intellegencia; quando eu escutava com infantil respeito,no vivo enthusiasmo da creança que facilmente se exalta palas santasdoutrinas da liberdade, a descripção singella que meu velho pae me faziados sacrificios e das privações, da fome e dos perigos, do sangue e dasvidas, que a liberdade custara; quem me diria, repito, que aquelle honradovelho havia de ser victima dos falsos sacerdotes da sua religião politica;que eu proprio havia de ser constantemente torturado pelos depositariosinfieis do thesouro riquissimo que meu pae ajudara a conquistar para o seupaiz!
E esta é, infelizmente, a verdade!
Tantas cazas arruinadas, tão ferteis campos tallados, tantas vidaspreciosas offerecidas em holocausto á liberdade, de que serviram?
De bem pouco, na verdade!
Em vez da tyrannia, a falsa liberdade!
Em logar do despotismo brutal; mas franco, por que constituia a base dosystema governativo, o despotismo hipocritamente encapotado no manto daliberdade, infamemente roubado á deusa dos povos, pelos falsos levitas dasua religião!
Em substituição do poder absoluto de um homem, o poder absoluto de muitos,que se dizem responsaveis, e que ainda não fizeram lei que torne effectivaa sua responsabilidade; que deveram ser filhos dos partidos, e que sãooriundos de corrilhos e facções; que dão conta dos seus actos aparlamentos immoraes e ridiculos, que teem por base a vicia